Homens de sucesso e outros que tais

 


Mitos Urbanos. Quando começámos a escrever esta crónica sentimo-nos como uma mulher à beira de um ataque de nervos – algo que parece ser um privilégio exclusivamente feminino (ou assim sugerem os estereótipos). Naturalmente, foi a Priscila quem teve o chilique, o Pedro manteve-se hirto e firme como uma barra de ferro. Foi como aquele clássico momento em que vamos a um evento e, de repente, percebemos, horrorizados, que não temos absolutamente nada para vestir!

Toda a gente sabe como as mulheres são: indecisas, emocionais, ignorantes, incultas, ressentidas e vingativas. Tomam decisões com base em opiniões alheias, tentam enquadrar-se em padrões impostos por outros e, claro, estão tão obcecadas com a aparência, com o que os outros dizem, e com o que eles pensam que mal têm tempo para criar uma ideia própria. Mas deixemos isso para trás e avancemos para o que realmente importa: os homens. É que as mulheres são complicadas e seria uma canseira escrever sobre elas; já os homens são simples, geniais e solucionadores de problemas. Daí a pergunta: "Porque é que há um Dia da Mulher e não há um Dia do Homem?" Onde está a igualdade? a justiça? É por estas e por outras que decidimos desconstruir alguns mitos urbanos. Venham connosco!

Comecemos pelo maior de todos os mitos: “O homem de sucesso.” Acreditem, ele não existe! Este personagem é uma invenção social alimentada por expectativas culturais e mediáticas. Porém, se tentarmos retratar esse ser fictício ele teria estas caraterísticas:

1.  Macho alfa: dominante, carismático e líder natural. Um super-herói, mas sem a capa;

2.  Racional e lógico: resolutivo e analítico, como se tudo fosse resolvido com uma calculadora;

3.  Bem-sucedido profissionalmente: está no topo da carreira, claro;

4.  Riqueza e classe social: o seu valor como pessoa é proporcional aos objetos de luxo que possui;

5.  Vida perfeita: o casamento, os filhos e a sua aparência – tudo impecável. A vida dele parece um anúncio publicitário;

6.  Provedor: cabe-lhe sustentar a família, “homem que é homem” não deixa faltar nada;

7.  Virilidade absoluta: força física, apelo sexual e resistência de um atleta olímpico. Tudo em nome da masculinidade;

8.  Autossuficiência: resolve tudo sozinho, porque pedir ajuda é para os fracos;

9.  Estoicismo: nunca demonstra emoções, porque um homem não chora – e, se chorar, fá-lo com dignidade masculina;

10.  Desajeitado doméstico: incapaz de pendurar uma camisa ou cozinhar um ovo, porque tarefas domésticas são um mistério insondável.

Este homem de sucesso é tão real como o Monstro de Loch Ness, mas ao contrário do monstro, ele não vive no lago – vive em sociedades que perpetuam estereótipos. Vamos desconstruí-los juntos?

Outro mito urbano admirável: “Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher.” Ohhh, tão querido! Uma obra-prima da falsa modéstia patriarcal, que até parece elogiar as mulheres, mas na verdade coloca-as numa posição confortável… no banco de trás. Se o homem é o piloto, a mulher é a copiloto e, claro, a responsável pela marmita. Este mito tem uma pilha de implicações, com cada camada impregnada do sabor agridoce do sexismo disfarçado de gratidão:

1.  Subordinação disfarçada de reconhecimento: a mulher, peça essencial no sucesso do homem, é invisível no palco. É como a técnica de luz no teatro, crucial, mas a sua presença é impercetível, porque está sempre em contraluz!

2.  A cuidadora: enquanto o homem conquista o mundo, a mulher cuida da casa, da roupa e do ego dele. Cada um é para o que nasce, certo?

3.  Anulação da independência feminina: o sucesso das mulheres é visto como sombra do sucesso masculino.

A ideia de que a grandeza masculina só é possível com uma mulher a segurar as pontas sugere que as mulheres existem apenas para dar suporte. Como se as mulheres fossem figurantes no drama existencial dos homens. Aiii, calma, os homens não são dramáticos nem têm problemas existenciais… perdoem a incorreção.

Espere! não terminamos! Temos ainda o fabuloso mito urbano: “As mulheres nunca atingiram (nem atingirão?) o mesmo nível de sucesso que os homens.” Claro, porque as grandes invenções e conquistas históricas são exclusivamente masculinas, não é? Exceto que… não. Analisemos os ingredientes desta pérola que insinua que as mulheres estarão sempre aquém do brilho dos homens:

1.     Falta de reconhecimento institucional: durante anos, a academia e os prémios estavam ocupados a celebrar homens, ignorando as mulheres brilhantes ao seu lado;

2.     Barreiras sociais e culturais: “Mulheres na ciência? Política? Não, querida, o teu lugar é na cozinha!” – depois surpreendem-se por não haver mais Marie Curies;

3.     Invisibilidade mediática: quando uma mulher brilha, o mundo parece sofrer de uma amnésia coletiva. Resultados brilhantes? Talvez, mas nada que um homem não possa reivindicar como seu!

Historicamente as mulheres foram afastadas dos centros de decisão, das universidades e até dos livros. Meros detalhes? Durante séculos, elas lutaram por direitos civis fundamentais. Alguns deles são hoje amplamente reconhecidos, como o direito ao voto, à educação e à igualdade salarial. Apesar dos avanços significativos, muitas batalhas ainda permanecem. As mulheres continuam a lutar contra a violência de género e o assédio, que comprometem a sua segurança e bem-estar no quotidiano. A autonomia sobre o próprio corpo e acesso integral à saúde reprodutiva é também uma reivindicação constante; assim como a luta por uma representação mais efetiva em cargos de liderança e na política. Ao oferecer às mulheres oportunidades reais de liderar, decidir e revelar sua verdadeira força, a história muda. Elas não são apenas o pilar invisível que sustenta as sociedades; são a base da mudança, não só pela sua capacidade intelectual, mas também pela sua habilidade de garantir o futuro da humanidade. A “indecisão”, muitas vezes vista como fraqueza, é uma forma de avaliar opções. A “submissão” pode ser entendida como empatia e sabedoria estratégica. E a “incultura”? Reflete a falta de oportunidades, não a ausência de capacidade.

É fundamental desconstruir estes e outros mitos que perpetuam inverdades e têm um impacto profundo na maneira como homens e mulheres se percebem e interagem. É HORA de uma reviravolta! As mulheres não são “sombras” e os homens não precisam ser “heróis”. A sobrevivência e o progresso da sociedade dependem do respeito e da valorização de cada indivíduo – pelo que são, pelo que contribuem e pelo impacto que têm nas vidas ao seu redor e nas gerações futuras.

Ficou chocado com esta crónica? Não fique. Chocante é sentir que, com o passar dos anos, o coração das pessoas parece encolher. As crianças, por natureza, possuem corações imensos, onde todos cabem: não reconhecem barreiras, nem impõem limites.

O verdadeiro escândalo é ainda ser necessário levantar a voz em defesa da igualdade, da equidade e da justiça social.


Fale connosco! Escreva para pxp.cminho@gmail.com 


Crónica publicada no Correio do Minho no dia 8 de março de 2025



Comentários

  1. Uma vez mais adorei o texto de opinião, e o formato de desmontar em partes os estereótipos femininos e masculinos (gostei em particular de os terem incluído, pois são frequentemente ignorados, sendo que são pesadíssimos para os meninos). Excelente! (também embirrei sempre com o dito “atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher” 😊). Amei a imagem dos corações!

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