Uma viagem pela tabela de Pitágoras
Uma viagem pela tabela de Pitágoras
O sol punha-se no horizonte. Era um final de tarde daqueles dias ainda na hora antiga, ou seja, uma hora adiante da que estamos agora. Apesar de a hora estar à frente, não vos vou falar do futuro. Muito pelo contrário. Vou falar de dois passados, um próximo e um longínquo.
Num passado próximo, enquanto viajava por uma autoestrada, fui surpreendido por um raio de luz (felizmente, não era um relâmpago) que me fez refletir sobre a tabuada e me transportou para um passado longínquo. De repente, como num salto no tempo, encontrei-me no século VI a.C., numa ilha da Grécia antiga, frente a frente com Pitágoras. Quem de vós não conhece a lengalenga que descreve o seu célebre Teorema? "A caminho de Siracusa, disse Pitágoras aos seus netos: O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos."
Embora o teorema seja fascinante, não é relevante para o tópico de hoje. Além do teorema e de muitos outros importantes contributos, Pitágoras desenvolveu uma tabela — hoje conhecida como Tabela de Pitágoras (Tabela 1). Esta tabela contém todas as multiplicações, facilitando a aprendizagem da tabuada sem necessidade de a memorizar.
A Tabela de Pitágoras revela não só a lógica matemática subjacente, mas também padrões geométricos e numéricos relacionados com sequências (ver H. Melo, Correio dos Açores, 03/09/2015). Porém, podemos ir além e usar o raciocínio matemático para identificar sequências numéricas semelhantes às utilizadas em testes de QI. Por exemplo, na diagonal principal temos a sequência 1, 4, 9, 16, 25, 36, 49, 64, 81, 100. Esta sequência pode ser alcançada adicionando ao primeiro número ímpar (1) número ímpar que lhe sucede (3) e assim sucessivamente ao longo da diagonal, usando o restante da sequência dos números naturais ímpares dada pelo conjunto A = {1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19}. Isto é: 1+3 = 4; 4+5 = 9; 9+7 = 16, etc. O mesmo raciocínio pode aplicado em todas as diagonais paralelas à diagonal principal. Todas os valores são obtidos adicionando, sequencialmente, ao número natural (ím)par que inicia a sequência o número da mesma classe que lhe sucede.
Além de matemático e filósofo, Pitágoras contribuiu para a astronomia e a teoria da música. Também conhecido como numerólogo, estabeleceu uma relação entre os planetas e a sua "vibração numérica", conhecida como a "harmonia das esferas". Perante a sua obra, por que não pensar além da matemática? Será que Pitágoras identificou segredos ocultos nesta tabela? Tê-los-á inserido intencionalmente na estrutura que criou? Ao fazer esse exercício, começam a surgir padrões não imediatamente visíveis. Vejamos alguns exemplos.
1. Se utilizamos o método da redução recursiva (e.g., o número 12 reduz-se a: 1+2 = 3) e transformarmos a Tabela de Pitágoras em células contendo apenas dígitos de 1 a 9, começamos a identificar algo que vai além de multiplicações (Tabela 2).
Fiz a primeira multiplicação mentalmente e rápido, porque ia na autoestrada! Comecei pelo 8: 8x1=8, 8x2=16 (1+6=7), 8x3=24 (2+4=6), 8x4=32 (3+2=5), 8+5=40 (4+0=4), 8x6=48 (4+8=12→1+2=3), 8x7=56 (5+6=11→1+1=2), 8x8=64 (6+4=10→ 1+0=1) 8x9=72 (7+2=9). Considerando apenas o resultado da redução a um algarismo identificamos uma sequência curiosa: 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, (9).
Posto isto, tornou-se imperativo colocar no papel todas as multiplicações. O resultado obtido superou as minhas expectativas! Descobri que todas as linhas se comportam de forma semelhante. Quando reduzidos a um único algarismo, os valores de 1 a 9 seguem ordenações diferentes e não se repetem. No entanto, as multiplicações dos números 3 e 6 comportam-se de forma distinta – servindo assim de exceção à regra. Esta exceção, contudo, aumenta o fascínio pois 9 e 6 são múltiplos de 3. Nas multiplicações do 3 e do 6 obtemos três vezes as sequências 3-6-9 (para o 3) e 6-3-9 (para o 6). E, por curiosidade, 6 + 3 = 9.
2. Os números de cada linha podem ser somados e a soma reduzida apenas a um algarismo. Vejamos, e.g., a linha do 8: 8+7+6+5+4+3+2+1+9 = 45→ 4+5 = 9. Como os valores de cada linha não se repetem e têm uma distribuição de 1 a 9, o total é sempre o mesmo: 9. Com exceção das multiplicações do 3 e do 6, cujo resultado é 54. Mas 54 também pode ser reduzido a 9 (5+4 = 9). Para além disso: 54 = 45+9. Começa a tornar-se evidente que o número 9 ocupa um papel central em toda a tabela.
3. Na multiplicação do 9, concluímos que a soma dos dígitos de qualquer número dessa linha resulta sempre em 9. Este é um exemplo da propriedade digital do número 9, que decorre do comportamento dos números na base 10. Juntando este ponto ao anterior, surge a ideia de que o 9 é o número que reúne todos os valores. Pitágoras acreditava que os números não eram apenas abstrações, mas a linguagem do universo. Para os Pitagóricos, o número 9 representava a conclusão e a sabedoria universal, sendo muitas vezes associado à perfeição e à realização espiritual. Seria ele também o símbolo da unificação espiritual?
O fascínio pela Tabela continua. Apesar do surpreendente resultado obtido, outros padrões levam-me a crer que há ainda mais mistérios escondidos nas multiplicações. Terá Pitágoras nelas encriptado alguma mensagem?
4. Ao usar a diagonal principal para dividir a tabela, percebemos que ela é simétrica (calma, não estamos a "descobrir a pólvora", apenas constatamos a propriedade comutativa, ou seja, que 2 x 5 = 5 x 2, tornando o triângulo superior igual ao inferior). No entanto, considerando apenas o triângulo superior da Tabela 2 surge uma outra curiosidade. Embora as diagonais não mostrem uma simetria perfeita, se as transformarmos em linhas, chegamos a uma conclusão incrível: a sequência numérica obtida na diagonal é igual à da coluna que lhe corresponde (Tabela 3).
Está assim identificada a existência de um comportamento simétrico entre os resultados das diagonais. Além disso, voltamos a encontrar o intrigante número 9 que surge sempre que somamos o número da linha e o número da coluna onde se traça a diagonal. Por exemplo: da coluna 1 à linha 8, temos 1+8 = 9.
5. Por fim, para descansar um pouco… Também podemos encontrar padrões geométricos na tabela obtida após a redução recursiva. Vejam a Tabela 4.
Alimento para o pensamento:
Qual a razão da distribuição numérica (1 a 9) nos resultados e como é possível que nunca se repita? [Tabela 2] Qual a explicação para o comportamento em espelho das diagonais? [Tabela 3]
Qual a razão de tanto se resumir ao número 9? Na numerologia, o 9 é considerado o número da conclusão, associado aos ciclos, ao propósito de vida, aos objetivos e ao recomeço. Por marcar o fim dos ciclos, é considerado um número de aprendizagem e renovação, estando, assim, ligado à sabedoria espiritual.
Que mensagem? Que segredos terá Pitágoras escondido na tabuada?
Crónica publicada no Correio do Minho de 12 de dezembro de 2024
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