Não são 6, são 8!
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7… 8. Não, caro leitor, não estamos a
aprender a contar, nem a rever a tabuada do 8 em modo recursivo. Estamos a
falar do alinhamento de oito planetas que decorre em fevereiro. Sim, leu bem: OITO!
As notícias referem que seis
planetas desfilaram pelos céus em janeiro e que, em fevereiro, se alinham sete,
dado que Mercúrio, não querendo ficar de fora deste grandioso evento, se juntou
ao grupo. Porém, ao observarmos o esquema do Sistema Solar identificamos oito
planetas, organizados a partir do Sol na seguinte ordem: Mercúrio, Vénus,
Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
Ora, para evitar qualquer
discriminação, devemos incluir na contagem o "terceiro calhau a contar do
Sol" (quem se lembra da série de TV com este nome?). Afinal, a partir da
Terra, observamos um desfile de sete planetas, mas a própria Terra também é um
planeta e, portanto, deve fazer parte do evento – concordam? Assim, o desfile
será não de seis planetas, como em janeiro, nem de sete, como se anuncia. Em
fevereiro, desfilam TODOS os planetas! Será como assistir ao mais
deslumbrante desfile com algumas das modelos mais icónicas: Cindy, Linda,
Naomi, Christy, Claudia, Kate, Elle, Gisele... Haverá melhor forma de celebrar
o mês do romance do que testemunhar um evento tão raro? Imaginem todos os
enamorados, de olhos postos no céu, vivendo um momento digno de “O amor está o
ar”.
Tal como a música é enriquecida
com a adição de instrumentos, tornando as melodias mais complexas e
envolventes, também os planetas parecem sentir a necessidade de adornar o
cosmos com formas criativas, brincando ocasionalmente com alinhamentos sui generis. Agora que a composição está
completa – com os 8 planetas incluídos na orquestra – estamos perante uma verdadeira
sinfonia celestial.
Uma sinfonia é,
tradicionalmente, uma composição musical escrita para uma orquestra completa
onde cada instrumento desempenha o seu papel harmonioso na criação de uma obra
grandiosa. Da mesma forma que numa orquestra os diferentes naipes de
instrumentos se unem para formar uma melodia rica e imersiva, os planetas,
neste raro alinhamento, parecem tocar em conjunto, compondo a sua própria
música cósmica.
Como soará, então, esta
majestosa sinfonia celestial? Em que clave será escrita? Dado que os planetas
se movem em torno do sol, será na clave de sol?
Pitágoras
dizia que o movimento dos planetas gera a música das esferas – uma melodia
inaudível sendo, por isso, dificilmente traduzível para a estrutura oferecida
pelo pentagrama. No entanto, essa música revela a harmonia fundamental do
universo. Desde sempre, a humanidade ergue o olhar para o céu com fascínio.
Esse encantamento permitiu-nos compreender que a vida está intrinsecamente
ligada aos movimentos das esferas celestes: as estações do ano determinam as
colheitas, as marés orientam a navegação, e o nascer e o pôr do sol regulam o
tempo. Estes ritmos cósmicos, precisos e interligados, compõem uma harmonia
celestial, refletida na diversidade e no equilíbrio da vida na Terra.
Porém,
apesar de inaudível, a sinfonia celestial não é oculta – como a alma de B.
Soares, quando nos confessa: “Minha alma
é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e
harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.”[1].
Só
me conheço como sinfonia... e se o mesmo sucede com o cosmos?
Em 2020, foi iniciado o
primeiro programa continuado da NASA para converter em som ("sonificar")
dados astronómicos. O projeto “Um Universo de Som”[2] surgiu
como resposta à pandemia de coronavírus, que interrompeu o projeto de modelação
e impressão 3D desenvolvido com membros da comunidade invisual e de baixa
visão. Como as sonificações são totalmente digitais, tornaram-se uma
alternativa para continuar a trabalhar com os parceiros comunitários num
período de isolamento físico.
No sítio do projeto pode
ler-se “Já imaginou como soaria a música das esferas?[3] O
Hubble revela-nos maravilhas cósmicas através de imagens, mas esses fenómenos
astronómicos também podem ser experienciados por outros sentidos. Através da
sonificação de dados, a mesma informação digital que é convertida em imagens é
transformada em som. Elementos da imagem, como o brilho e a posição, são
associados a diferentes tons e volumes. Embora o som não se propague no espaço,
as sonificações oferecem uma nova forma de experienciar e compreender os dados
astronómicos. Estas sonificações permitem que o público, incluindo comunidades
cegas ou com deficiência visual, "ouça" imagens do universo e explore
os seus dados de uma forma inovadora.”
Num artigo publicado em 2020,
Christine Malec, uma música e entusiasta da astronomia, cega de nascença,
recorda a primeira sonificação que ouviu – uma renderização do sistema
planetário TRAPPIST-1: "Fiquei com
arrepios, porque senti que estava a ter uma vaga impressão do que é perceber o
céu noturno ou um fenómeno cosmológico". […] A música confere aos dados
"uma qualidade espacial que os fenómenos astronómicos têm, mas que as
palavras não conseguem transmitir. Isso apelou ao meu sentido musical, porque
foi feito de uma forma harmoniosa — não foi discordante."
Isso foi intencional, disse Kimberly
Arcand, uma cientista envolvida no projeto: "Queríamos criar um resultado que não fosse apenas cientificamente
preciso, mas também, espero eu, agradável de ouvir. Era uma
questão de garantir que os instrumentos tocassem juntos em sinfonia."[4]
Vivemos, de facto, num mundo
maravilhoso. O progresso científico permite-nos aceder às múltiplas maravilhas
que nos rodeiam. Mas, acima de tudo, a ciência também está numa rota de
inclusão (ainda que, por vezes, a passo lento). Tal como Mercúrio não quis
ficar de fora do desfile, os cientistas envidam esforços para que a beleza do
cosmos seja sentida por todos – seja vendo, ouvindo ou tocando-a.
Assim, talvez todos possam dizer: “foi a sua música inaudível que eu trouxe comigo para casa e ouvi-la agora sossegadamente na alma.”[5]
Mais um texto de belas imagens, ilustrativo de como se casam bem fenómenos físicos (astronómicos) com poesia e música e inclusão!!! Haja esperança no ser humano que não se limita aos factos (ainda que importantes) e encontra beleza e “significado” artístico num alinhamento de planetas. A ideia de traduzir em música fenómenos celestiais é de uma inacreditável humanidade, amei o texto, que expõe muito bem essa ligação. Parabéns aos escritores!
ResponderEliminarMuito obrigada!
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