É Mentira?
É mentira?
1 de abril.
Mais um dia? Outro dia? Ou, na verdade, todos os dias? O dia 1 de
abril nem sempre foi igual aos outros. E nem sempre foi o Dia das Mentiras, das
partidas e dos “tolos” que se deixam enganar – ou que enganam e até mesmo se
enganam. Uma das explicações mais populares para a origem desta tradição
remonta ao século XVI, com a introdução do calendário gregoriano pelo Papa
Gregório XIII, em 1582. Antes dessa mudança, o Ano Novo era celebrado entre 25
de março e 1 de abril. Com a adoção do novo calendário, a celebração do Ano
Novo passou para 1 de janeiro. No entanto, algumas pessoas continuaram a
festejá-lo em abril, fosse por resistência à mudança ou por desconhecimento da
nova regra. Estas pessoas tornaram-se alvo de ridicularização e partidas, sendo
apelidadas de "tolos de abril" ("April’s fools"). Com o tempo, este costume espalhou-se e
evoluiu para o que hoje conhecemos como o Dia das Mentiras.
Com a proliferação de informações falsas, a confiança nas fontes
tradicionais de conhecimento, como os meios de comunicação e a ciência, está
comprometida. Este problema agrava-se com a
velocidade a que as informações se disseminam nas redes sociais, onde,
frequentemente, a emoção prevalece sobre a precisão factual. Este
cenário leva à formação de dois grupos de pessoas distintos: um que questiona
sistematicamente a validade de tudo o que vê e ouve, e outro, cada vez mais
numeroso, que se deixa seduzir pelo sensacionalismo. A Parábola da Mentira e da Verdade ilustra bem esta questão: a
mentira vestiu as roupas da verdade; a verdade, recusando-se a usar os trajes
da mentira, saiu nua à rua. No entanto, esta imagem de pureza foi encarada como
um atentado ao pudor público, uma afronta à moral e aos bons costumes. Desde então, aos olhos de muitos, tornou-se
mais fácil aceitar a mentira disfarçada de verdade do que encarar a verdade nua
(e crua).
Num mundo saturado de informação digital e de
tecnologias avançadas, a noção de verdade tornou-se mais fluida e difícil de
definir. Tradicionalmente, na
filosofia, a verdade é associada à correspondência com a realidade: uma
proposição é verdadeira se refletir o mundo tal como ele é. No entanto, as fake news e os deepfakes distorcem deliberadamente a realidade, fabricando
versões manipuladas da "verdade". As fake news são informações falsas ou enganosas, criadas para
manipular a opinião pública, enganar ou promover determinadas agendas.
Disfarçam-se de notícias legítimas e propagam-se rapidamente, adquirindo credibilidade
pelo elevado volume de partilhas. Os deepfakes,
por sua vez, representam uma forma ainda mais sofisticada de manipulação
digital. Através da inteligência artificial, criam-se vídeos ou áudios
realistas, mas falsificados, onde alguém pode ser retratado a dizer ou fazer
algo que nunca aconteceu, de forma tão convincente que se torna difícil
distinguir o real do falso.
Estaremos, então, perante
uma crise da verdade? O "jogo” entre verdade e mentira, alimentado por fake news e deepfakes, é uma batalha constante no cenário digital moderno.
Neste jogo, a verdade não se reduz apenas a factos: é também uma questão de
poder, influência e controlo. A sua preservação exige discernimento
individual e uma ação coletiva para criar sistemas de informação mais transparentes
e responsáveis. Assim, o futuro dependerá da nossa capacidade de distinguir a
verdade da manipulação.
O jornalismo assume
um papel crucial na defesa da verdade. O Dia do Jornalista (comemorado no
Brasil no dia 7 de abril) celebra o trabalho dos profissionais da comunicação,
responsáveis por investigar, apurar e transmitir informações de forma ética e
imparcial. Seja na rádio, na televisão, nos jornais impressos ou no digital, o
jornalista tem como dever primordial a busca pela verdade, sempre baseada em
fontes fiáveis e rigor informativo. Em
tempos de crise e incerteza, o jornalismo revela o seu verdadeiro valor ao
prestar um serviço público de qualidade, fornecendo notícias baseadas em factos
e múltiplas perspetivas. Para além de informar, os jornalistas desempenham um
papel fundamental na responsabilização dos poderes instituídos e na construção
de uma sociedade mais esclarecida. Num contexto em que a disseminação de
notícias falsas se tornou um desafio crescente, a função do jornalista assume
uma relevância ainda maior, sendo essencial para fomentar um ambiente mediático
mais transparente e credível.
A existência de organizações de fact-checking, que
verificam e validam informações antes da sua divulgação, não só contribui para
a fiabilidade dos conteúdos difundidos nos media, mas também exerce uma pressão
contínua sobre os criadores de informação para manterem elevados padrões de
rigor e credibilidade. Na perspetiva do serviço público, o Parlamento Europeu
publicou, em 2019, um documento intitulado “Como identificar «notícias falsas»”, que recomendamos aos nossos
leitores.[1]
Ao disponibilizar ferramentas que incentivam o público a questionar e verificar
as informações antes de as considerar verdadeiras, promove-se igualmente uma
sociedade mais ativa e crítica.
A desinformação
representa uma ameaça não apenas à verdade, mas também à confiança dentro da
sociedade. Para enfrentar este desafio é crucial articular tecnologia, educação e princípios éticos, com o objetivo
de restaurar e preservar a integridade da
informação no ambiente digital. Combater a desinformação exige um
compromisso coletivo em que a busca pela verdade é um esforço partilhado,
assente no rigor, na responsabilidade e na dedicação à precisão. Só através
destas medidas poderemos construir um ecossistema informativo mais seguro e
fiável.
Parafraseando Vergílio
Ferreira: A verdade
escolhe o Homem que a escolhe a ela. Como nem tudo o que brilha é
ouro: Não se deixe enganar… nem sequer em abril.
Fale connosco! Escreva para pxp.cminho@gmail.com
Crónica publicada no Correio do Minho de 07 de Abril de 2025.


Está muito pedagógico! Adorei e termina em grande com Vergílio Ferreira:) parabéns!!
ResponderEliminarObrigada Pris por este tema extremamente pertinente nestes tempos de pós-verdade, em que nos é barrado o acesso a meios de comunicação, e nos impedem o acesso aos diversos pontos de vista em cada tema para que possamos tirar as nossas próprias conclusões. Muito preocupante que, o que criticávamos, e bem, em varias partes do mundo esteja a ocorrer em plena União Europeia, deturpando o conceito de democracia, em nome do qual se castram os direitos fundamentais, como o acesso à liberdade de expressão!
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